Sunday 12 August 2007

Agosto, 12 - Évora (156 Km)

E aqui estamos no final da noite do dia zero, depois dos primeiros 156 km percorridos numa espécie de aquecimento para a loucura propriamente dita. Decidi começar o périplo por Évora em parte porque queria passar por cá para levar algumas coisas que gostava de ter em Torres nos últimos dias de férias, em parte para ir o quanto antes para a estrada. Além disso a maior parte dos meus discos (aliás quase todos) estão aqui e alguns são absolutamente essenciais para a viagem.

Saí exactamente às quatro da tarde, depois de um almoço tardio mas ainda assim saboroso. Não sei porquê mas quando estou por minha conta em Torres "desoriento-me" bem mais do que o tempo todo que passo aqui em Évora durante o ano lectivo, especialmente em termos de horas para comer e dormir. Ainda ontem fazia planos de "puxar para trás" a hora de ir dormir de forma a poder orientar melhor o sono e poder acordar com facilidade mais cedo durante a próxima semana - por razões óbvias - mas o mais que consegui foi deitar-me ainda mais tarde... três e tal da manhã. Dormi até quase ao meio-dia mas também não quis saber. Hoje não estive minimamente virado para traduzir o que resta do FM e por isso vou ter de me sujeitar a ir fazendo durante a viagem. Vai ser certamente uma boa forma de ocupar algum do tempo "idle" nos hotéis.

O processo de fazer as malas foi extremamente fluído. Por norma gosto de levar sempre o menor número de coisas possível ou melhor dizendo o menor número de sacos possível. Quer isto dizer que se pudesse levar o mundo dentro de um só saco, pois levaria. Assim, ontem à noite construí rapidamente uma lista de tudo o que tinha de levar (aqueles caderninhos do chinês são o melhor, obrigado Pedro ;-)) e hoje foi só mesmo juntar tudo e ir riscando da lista. No final, bastou um saco grande, o backpack e a malinha de tiracolo.

Malas à Porta...
Meter as malas à porta... a mim próprio.

Quando estava a entrar em Évora ao final da tarde tive aquela sensação esquisita de parecer que vinha para regressar ao trabalho. Na verdade ainda falta mais uns dias e estou curioso para saber o que realmente irei sentir já que desta vez o que virei fazer é algo que motiva bastante apesar de antever muito suor. Mas essas são estórias para outra altura...

Para que este primeiro percurso de dia zero fosse já realmente dentro do espírito do resto, optei por fazer o caminho "cénico" tal como o viamichelin.com indica. Essencialmente consiste em ir pela ponte de Vila Franca em direcção a Porto Alto, Pegões, Vendas Novas e Montemor-o-Novo. Tudo normal, mas o itinerário indicava um troço por estrada municipal que eu desconhecia (imediatamente antes de Castanheira do Ribatejo) e foi interessante passar por aí. Feitas as contas, acaba-se por poupar cerca de 15 Km em relação ao caminho habitual pelas A8/A12/A2/A6 e também bastante dinheiro em combustível e portagens. Mesmo com algum trânsito, apenas "perdi" uns 35 a 40 minutos em relação ao habitual.

Tudo a Zeros
Tudo a zeros...

Em casa tudo na mesma, o Tiago está cá até terça e vai para casa de férias durante 15 dias nessa altura. Aproveitei para rapidamente orientar uma bolsa de CDs e um par de DVDs (Rush R30 e Score de Dream Theater). Vou levar a maior parte dos CDs que mais me marcaram na vida e acho que a banda sonora da viagem vai ser bem interessante, com garantias de evocar muitos sentimentos bons e maus. No fundo a ideia desta viagem é fugir para me encontrar. Sei que isto não é o remédio milagroso para todos os males e sei que é impossível levar os males comigo e despejá-los no rio mais longe que encontrar. Mas é levar a solidão ao extremo e no limite encontrar respostas e orientação. Não me posso queixar da vida que tenho porque sempre achei que fazê-lo seria realmente um total desrespeito por todos aqueles, sem rosto, que são muito melhores do que eu alguma vez serei mas que por muitas razões nunca terão também as mesmas oportunidades que eu. Por eles e por mim devo levantar a cabeça.

E porque sei que a maior parte das minhas tristezas e frustrações são baseadas na forma errada com que encaro tudo o que me rodeia, fujo na esperança de que uma experiência vincada e diferente me leve a perceber as coisas de outra forma. Estou farto de situações de choque e de não ser suficientemente bom actor para lidar com elas. Estou sobretudo farto de ter de me condicionar a cada passo para que os outros possam viver integralmente as suas vidas com as suas maneiras de ser tão próprias. A resposta tem de estar noutro lado.

Enfim, a coisa já vai longa e como quem não quer a coisa já passam 22 minutos da meia-noite. Se quero sair cedo, é melhor começar a pensar em ir fechar os olhos. O que me aguarda por ser decerto tanto a coisa mais entediante como a mais fascinante. Mais uma vez, creio que depende de mim e da sorte. Como disse o Pedro: "todas as viagens, mesmo que tenham volta são viagens de ida sem volta porque nunca se volta ao mesmo sítio, ao mesmo tempo, nunca se volta a mesma pessoa."

Eu sinto que preciso desesperadamente de ir e voltar outro. Por isso vou.

The Long and Winding Road
O caminho é sempre para a frente...

2 comments:

Enolough said...

"se pudesse levar o mundo dentro de um só saco, pois levaria".
Um saco de desporto bem grande e uma mochila são a perfeição para quem quer estar preparado para a imprevisibilidade da viagem.

"No fundo a ideia desta viagem é fugir para me encontrar. (...) Mas é levar a solidão ao extremo e no limite encontrar respostas e orientação."
Um método tão antigo não pode ser embuste. Se soubermos aproveitar acho que é mesmo possível lavar a alma no rio com a consciência de que nunca a lavaremos duas vezes na mesma água ("The Same River").

"E porque sei que a maior parte das minhas tristezas e frustrações são baseadas na forma errada com que encaro tudo o que me rodeia (...)"
Na minha humilde opinião a forma errada de ver começa com esse pensamento. Que diabo, se vemos mal o desenho há a hipótese de ser dos olhos ou do desenho, não? O artista que nos pintou as situações em que somos obrigados a viver pode muito bem ser tão culpado como os olhos que não viram.

"Estou sobretudo farto de..."
1) be yourself by yourself / drive yourself a little bit faster" [OSI]
2) make your own kind of music / even if no one else sings along" [Cass Elliot]

"A resposta tem de estar noutro lado."

"Look around
Where do you belong
Don't be afraid
You're not the only one

Don't let the day go by
Don't let it end
Don't let a day go by in doubt
The answer lies within

Life is short
So learn from your mistakes
And stand behind
The choices that you make

Face each day
With both eyes open wide
And try to give

Don't keep it all inside

Don't let the day go by
Don't let it end
Don't let a day go by in doubt
The answer lies within

You've got the future on your side
You're gonna be fine now
I know whatever you decide
You're gonna shine

Don't let the day go by
Don't let it end
Don't let a day go by in doubt
You're ready to begin
Don't let a day go by in doubt
The answer lies within"

[Dream Theater in Octavarium]

Enolough said...

eu se fosse a ti lia duas vezes o raio da letra...